Por que oposição?

29/11/2012

Por que oposição?

Se nos últimos anos eu tivesse feito oposição ao atual Prefeito Municipal por estratégia eleitoral, alguns poderiam dizer que me equivoquei, pois criticar e apontar irregularidades (mesmo com fundamentos) de um Governo bem avaliado é desgastante. Por outro lado, se a postura que adotei tivesse como justificativa o fato de que “não se fez nada” nesta Administração, outros diriam que tenho sido injusto, e com razão, pois coisas importantes foram feitas. Acontece que, não foi nem pelo primeiro motivo, nem pelo segundo que fiz oposição, mas porque discordo da maneira como foram tratados os princípios democráticos e republicanos.

 

É verdade que problemas administrativos também existem, basta observarmos as graves deficiências na prestação dos serviços de saúde, o atraso e a má qualidade de diversas obras públicas, ou as dificuldades financeiras enfrentadas neste final de mandato – problemas que têm na sua raiz a falta de planejamento. Também é correto dizer que Jaboticabal foi muito beneficiada pelo desempenho da economia nacional e por investimentos dos Governos Federal e Estadual, sendo que poderia ter aproveitado melhor essas oportunidades com um pouco mais de capacidade administrativa e inovação. Mas, repita-se, não são essas as razões fundamentais do caminho que trilhei.

 

Para começar, a democracia não é o regime político do consenso, mas do dissenso, da pluralidade de opiniões, por uma razão bastante simples: assim é a sociedade – plural, dividida, repleta de interesses conflitantes. Nesse sentido, a oposição na Câmara Municipal cumpre um papel fundamental.

 

Todavia, nos últimos anos, não se estabeleceu um diálogo com a oposição (e diálogo pressupõe diferença, divergências, debates). Escondida sob um discurso (muito bem construído) segundo o qual “todos devemos estar juntos por Jaboticabal”, desenvolveu-se uma prática política em que se procurou continuamente, e com êxito considerável, cooptar ou eliminar todo e qualquer opositor. A cooptação se processou pelos diferentes instrumentos de sedução que a máquina pública dispõe, como a farta distribuição de cargos e o atendimento privilegiado de demandas dos eleitores dos aliados. A tentativa de eliminação ocorreu com a insistente retórica de que os aliados querem o bem de Jaboticabal, enquanto os que pensam diferente querem o mal, somada a uma poderosa indústria produtora de mentiras descaradas para desconstruir a imagem dos que não aderiram. Assim, diante de uma crítica a qualquer ação do Governo não vinha uma resposta ou justificativa, mas sempre uma referência à “maldade” que motivaria seus autores.

 

A democracia também é um regime político de opinião – representantes e representados precisam formar sua opinião a partir de fontes de informações livres e diversificadas, para que seja uma opinião autêntica, e não falseada, enganada. Todavia, valeu-se de diversos mecanismos para falsear a opinião pública, desde o uso de um montante sem precedentes de recursos públicos para propaganda oficial, inclusive na televisão, até a incorporação de ações positivas que nada ou pouco têm a ver com a Administração Municipal, como se fossem sua obra exclusiva.

 

Da mesma forma, a democracia exige transparência da Administração para que o povo possa exercer seu controle. Porém, transparência é uma palavra que provoca arrepio no Governo atual. Qualquer questionamento é motivo para uma reação raivosa, a ponto de se afirmar que os requerimentos de informações apresentados pela Câmara Municipal constituem um problema para a Administração.

 

Ainda sobre a democracia, raríssimos foram os espaços para efetiva participação popular na gestão. Por exemplo, com poucas exceções, os Conselhos Municipais não tiveram um papel ativo, audiências públicas foram meras formalidades e discussões participativas sobre o orçamento não existiram.

 

Ocorre que a democracia tem uma irmã inseparável que se chama República. A ideia de um governo republicano é bastante simples: se todos são iguais (inclusive como um direito constitucionalmente garantido), todos devem ser tratados igualmente pelo Poder Público, e a principal garantia disso é o respeito à legalidade.

 

A República tem três grandes adversários: o patrimonialismo, o clientelismo e o populismo.

 

O patrimonialismo consiste na prática de o governante tocar os negócios públicos como se fossem privados: administra-se uma instituição pública como se fosse sua propriedade (ainda que temporariamente) e não do povo. Não há rigor no respeito à legalidade, não há critérios públicos para orientar as decisões, prevalecendo outros, como a amizade, o parentesco e o apoio eleitoral.

 

O clientelismo complementa o patrimonialismo: trata-se da obtenção de “favores” do Estado como fruto da generosidade do governante. Rompe-se com a ideia de que o acesso ao serviço público é um direito de todos, adotando-se a concepção segundo a qual, por exemplo, “quem permitiu que meu filho estudasse ou me deu a cesta básica foi o Prefeito”. Da mesma forma, a igualdade e a universalidade no acesso aos serviços públicos é substituída pelo privilégio: se algo não pode ser garantido para todos, não há critérios para definir prioridades – atende-se primeiro conforme as relações pessoais... “quem é amigo do rei passa na frente”. A contrapartida dos clientes é a eterna gratidão, manifestada, por exemplo, com o voto.

 

Por fim temos o populismo: o estabelecimento de uma relação direta e emocional com o povo por meio de discurso demagógico e desprezo pelas instituições. O governante populista, como ensina Bolívar Lamonier, se recusa a se submeter aos critérios públicos, às regras e aos procedimentos legalmente estabelecidos, dirigindo os negócios públicos conforme sua vontade, já que entende que a legitimidade de seu poder decorre de seu carisma, da empatia com o povo, e não das instituições democráticas.

 

Muitas dessas práticas antidemocráticas e anti-republicanas foram frequentes em Jaboticabal nos últimos anos. É verdade que não são privilégios daqui, pois estão profundamente enraizadas na cultura política brasileira. Porém, apesar dos índices de aprovação e das obras, parece-me que temos motivos mais que suficientes para fazer oposição.

 

Murilo Gaspardo

 

Publicado originalmente em: Jornal Fonte, Jaboticabal - SP, p. 5, 29 nov. 2012.